Edmar
Oliveira
Teresina tem
fama em todo país de ter as mulheres mais lindas e os homens mais feios. Sorte
nossa que elas já estão acostumadas com nossos defeitos. Mas elas são belas e
cantadas em todo canto desse imenso Brasil. E a nós fez exigentes com a beleza
delas. Fogosos baixinhos esmirradinhos, se achando!
O símbolo da
beleza feminina de Teresina tem 72 anos de beleza e graça, que num por do sol é
atravessada pelas cores rubras do ocaso na linha do equador, emoldurando uma
pintura surreal, assombreando sua silhueta no leito manso do velho monge. A
moça velha carregava a linha férrea atravessando as águas, primeira ponte entre
os dois estados, ligando as margens que o rio, como uma longa coluna vertebral,
faz a fronteira natural. E bela, quanto mais velha mais bela, ilumina em mim as
recordações da minha terra. Não tem Teresina sem a ponte João Luis Ferreira,
nome de um governador da terra que foi amigo de Lima Barreto e mereceu dele a
dedicatória do Policarpo Quaresma. E o rio Parnaíba é o velho monge, na imagem
poética de Da Costa e Silva, nosso simbolista de Amarante. A ponte metálica,
como nós a chamávamos carinhosamente, símbolo da cidade e vistoso cartão postal
todo ligado à poesia.
Mas eis que
uma moça nova se assanhou por cima do rio Poty, ligando a cidade antiga aos
bairros modernos e chiques da zona leste, e vem tomando o lugar da moça velha
no coração dos jovens teresinenses. A ponte estaiada, sem um pilar dentro do
rio, é sustentada por estaias metálicas que se seguram numa pilastra. No cume
dessa pilastra, ligada por elevadores, tem-se a vista da chapada do corisco. A
moça nova nos seduz pelo alcance de sua beleza até onde a vista alcança, sem
botar o pezinho n’água.
Confesso que
as curvas da moça nova tem uma graça singular da beleza de juventude. Rebola
com graça e sensualidade atirando-se de um lado a outro do outro rio dessa
cidade, que tem no encontro das águas a lenda trágica do Cabeça de Cuia. A
lenda matricida do Cabeça de Cuia é nossa: Crispim, o pescador desesperado dos
rios, por não encontrar neles os peixes desejados mata a mãe com um osso de boi
servido com água na sopa rala por falta de tudo. A mãe, antes de morrer joga
uma praga: ele vagaria como um monstro nas águas, com uma cabeça enorme a
boiar, até devorar sete virgens de nome Maria. A moça nova nem bota o pezinho
n’água, com medo do Cabeça de Cuia.
A cidade
ficou encantada com a moça nova e esqueceu da moça velha. Há muito tempo
tiraram o trem dos seus trilhos. Asfaltaram seu chão de dormentes de madeira e
fizeram semáforos de lado e outro da ponte, pois ela só permite um carro por
vez. Li agora, entristecido, que os semáforos queimaram e nenhuma autoridade se
responsabiliza pela manutenção da ponte metálica. Interrompeu-se o trafico,
abandonaram a moça velha que chora pedaços metálicos enferrujados no rio
Parnaíba.
Embora a
moça velha esteja com os pés dentro da água, nem o Cabeça de Cuia a quer mais.
Ela não é mais virgem. E eu choro pela minha moça velha, ainda tão bonita,
apesar de maltratada.
Edmar Oliveira - Médico psiquiatra, ex-diretor
do Instituto Municipal Nise da Silveira (Rio de Janeiro), autor de Ouvindo Vozes
e Von Meduna, ambos sobre a prática em saúde mental. Blogueiro do Piauínauta